sábado, 2 de janeiro de 2010

o pó futuro

acendi um ramo
e pus-me a observá-lo.

pacientemente,
detive-me ante
a fumaça que
se dispersava.
não custou a que
o ramo estivesse
inteiro no chão, desfeito
em cinzas.

-

esse é o destino
de tudo o que habita
este mundo.
cedo ou tarde, pelas
mãos do Tempo,
somos consumidos
por esse indelével inverno
de fogo cristalino – roseiras,
edifícios, homens - tudo,
o existir de tudo é
- no pó futuro –
não existir.

sábado, 1 de agosto de 2009

minha flor, meu bebê

não me toma o ar
da tua boca.
nem te perde em lençóis
que não sejam os meus.
deixa que eu me cegue
no sol dos teus olhos
e que eu me perca
nos labirintos do teu corpo,
suave Flor.

e me abraça, porque
só os teus braços
me são invioláveis.
sou prisioneiro
da minha vontade
e do teu amor.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

carta recebida do Dr. Andrade imediatamente após exame em hospital da Vila de Santo Antônio

Respiração ofegante, dores no peito e na cabeça,
febres e náuseas sem explicações plausíveis,
um nó a mais no dedo anular – e a isso também
não se confere o atrevimento das explicações.
Sintomas de uma doença incalculavelmente
proveitosa a um ocioso rapaz de dezessete.
O diagnóstico, afora certo exagero condizente
a uma mania fantasiosa do médico amador,
é conciso e prescreve um tratamento à base
de águas que passarinhos não bebem e que
podem ser adquiridas a preço de banana em
qualquer estabelecimento de esquina, vulgar-
mente chamados de bares ou botecos ou
botequins, além de folga da escola e de todos
os compromissos eminentemente vulgares
aos quais se dispusera, sustentando, para isso,
com proeminente talento teatral, um amarelo
sorriso no rosto, mesmo que por dentro
amaldiçoasse todas as gerações de alguém
que tivera o suposto infortúnio de ser advindo
do ventre de uma égua ou prostituta.

Também será necessário o acompanhamento
de duas enfermeiras de beleza distinta e
trajadas como tais, sem precisar, no entanto,
ostentar diplomas verdadeiros de enfermeiras:
apenas a beleza e os uniformes em branco
e vermelho bastam. Há, contudo, a preferên-
cia pelas moças de cabelos escuros e olhos
chamejantes capazes de derreter gelo.

Assim, recomendo ao Sr. Rômulo Pacheco,
meu amigo e progenitor, que repouse em
companhia de belas enfermeiras, nutrindo-
se unicamente de vegetais e derivados
- a exemplo: alface, tomate e Cachaça –
e mantenha-se longe de vozes e corpos
indesejados, privando-se, dessa forma,
de eventuais ataques de cólera,
possivelmente causadores do quadro
apresentado.

Atenciosa e carinhosamente, Cláudio Andrade.

sábado, 18 de julho de 2009

anátema

o silêncio
é imortal:
apenas nós
e os cigarros
desvanecemo-nos
como a fumaça.

domingo, 21 de junho de 2009

Por trás das janelas que se fecham

Por trás das janelas que se fecham
uma lua se esconde
num pálido manto
de nuvens cinzas chorosas.
Duas noites hão de morrer
- a noite d’eu e a noite d’Outro -
num silêncio ensurdecedor
e num interminável sono que restaura.
Por trás das janelas que se fecham
há ininteligíveis mãos.
Enquanto Deus apaga a luz
de meio mundo, eu
apago a luz do quarto
- Dorme com Deus, meu filho.
e com Ele vou dormir.

domingo, 24 de maio de 2009

Rosa

Flores róseas de dias quentes
nuvens parcas de sonhos carentes
compõem o brilho que mascara
a vida inteira que escancara

os sóis cansados das campinas
ao fim das tardes de aspirinas
as luas tortas da rua morta
por pancadas de porta em porta.

As flores descem pelo gargalo
e as nuvens apagam-se no badalo
do amor que finda indiferente

aos martírios que massacram
os homens que a si próprios matam
ao amar um coração dormente.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Passageiro - homenagem

O senhor ficaria
feliz ao ver
que suporto
minha lucidez
tanto quanto
não posso.
Oprimido
por essas matas
que me dão
e me tiram
o fôlego
sigo e sou
seguido
por essas
brancas nuvens
que como eu
estão só de
passagem
por aqui.
Passo a ver
o verde-Bandeira
perene e imenso:
sou passageiro
do trem
com destino
a Santa Inês.