sexta-feira, 13 de março de 2009

De cabo-a-rabo

O palito que eu acendo
E que vejo queimar
Não queima de cabo-a-rabo
Pois, há certa parte sua
Que protejo com meus dedos.

Quando já sinto o calor
Arder-me por debaixo das unhas
Solto aliviado o palito
Que cai no chão
E apaga-se
Antes de inteiro virar cinzas.

Se um homem morre e
É enterrado,
Seu corpo certamente
Será comido pelos vermes:
Há de virar húmus por fim
O homem que se serviu do fruto deste.

Contudo, apesar de todas as leis
Da ininteligível natureza
Que nós inutilmente tentamos
Entender,
Sobram os ossos, os cabelos
E há também algo de mais belo
Por trás de tudo isso...

Sobra sempre a lembrança
No porta-retratos em cima do criado-mudo,
Rodeado por quinquilharias
Que remontam a existência
Dum alguém que não existe mais.

E assim, com um palito
Que não queima de cabo-a-rabo
Acendo um cigarro
Que também não queimará de cabo-a-rabo
E tragando a minha morte
Hei de me tornar lembrança
Em algum porta-retratos
Em cima de algum criado-mudo
Rodeado por quinquilharias
Remontando a minha existência
Que, já hoje,
Não existe mais.

3 comentários:

  1. cada dia tu ficas melhor heim? o post anterior tá fantástico po! simplesmente fantástico! li até o final... muito bom mesmo :)

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  2. Gostei!

    http://arrotodepobre.blogspot.com

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